Através da
introdução do livro Iniciação às Psicoterapias, desta vez sugiro pensar na
psicoterapia e nas questões inerentes à mesma.
"Como o
próprio nome indica, uma psicoterapia é um tratamento realizado por meios
psicológicos. Esta definição abrangente não pode, entretanto, dar conta de um
extenso leque de interrogações que o público tem a propósito do tema. Mesmo os
estudantes e profissionais de ciências humanas, mais familiarizados com a
designação, enfrentam algumas perplexidades quando confrontados com a
necessidade de indicarem uma psicoterapia ou um psicoterapeuta. De facto, se a
ideia de "tratamento psicológico" diz, de si mesma, que está indicada
para pessoas que, por quaisquer razões , apresentam queixas de sofrimento,
dificilmente se encontra alguém que num ou noutro momento da sua vida, das suas
circunstâncias e das suas capacidades de lidar com os seus próprios
sentimentos, não as tenha. Quer isto dizer que toda a gente pode ser objecto de
uma psicoterapia. Aqui levantam-se duas outras questões. Primeira: Que grau e
qualidade de sofrimento ou mal-estar justifica um acompanhamento
psicoterapêutica? Segunda: Que tipo de Psicoterapia fazer? Para ambas as
questões há uma resposta fácil e uma outra um pouco mais complexa. A resposta
fácil sobre a qualidade e quantidade do sofrimento necessário para fazer uma
psicoterapia encontra-se na procura, e depois na adesão, que se tem ao tratamento.
Enquanto as pessoas acharem que conseguem resolver sozinhas, ou usando outros
recursos que têm disponíveis, o que consideram ser os seus problemas, terão
dificuldade em aderir a qualquer tipo de tratamento: psicológico, médico ou
qualquer outro, como de resto os estudos sobre a adesão a diferentes práticas
terapêuticas têm amplamente comprovado. Entre nós, é ainda frequente a ideia de
que só as pessoas frágeis ou muito complicadas, já para não falar das que estão
loucas, é que procuram os tipos de intervenção técnica facilitadas por
psicólogos e psicoterapeutas. Claro que isto não corresponde a nenhuma
realidade. Muitas vezes, a procura de apoio psicoterapêutica, ou a oferta desse
serviço por parte de instituições, está relacionada com acontecimentos de vida
reais ou prováveis, mas ainda assim desencadeantes de um enorme sofrimento,
como sejam: a descoberta de uma doença grave ou incapacitante; o luto a partir
de uma perda significativa por morte ou separação, e as dificuldades de
adaptação a situações emergentes em termos pessoais ou profissionais. Se o
sofrimento é inerente à condição humana, as sociedades modernas competitivas e
pouco tolerantes a patamares de disfuncionamentos que tenham consequências na
esfera do público, dispõem elas próprias de poucos recursos para lidar com
indivíduos desmotivados, absentistas ao trabalho, isolados socialmente,
hipomaníacos, sistematicamente suspeitosos, maltrantes ou maltratados,
hipocondríacos ou somatizando facilmente, descontrolados nas suas reacções emocionais,
transgredindo limites de convívio social de forma contínua, etc. Isto para já
não falar dos muitos indivíduos em que a sagrada trilogia da
"ansiedade-depressão-baixa auto-estima", com o seu lastro de
consequências a todos os níveis, delapida o erário público e arrasa,
literalmente, os grupos sociais alargados a que pertencem. Há depois, muitos
outros, com quadros sintomáticos exuberantes e bem estabelecidos que vão das
perturbações alimentares, sexuais, do sono, às mais variadas adições ou fobias.
Resta ainda a clássica Psicopatologia, espartilhada em medicações
psiquiátricas, mas que mesmo assim, e para poder ser socialmente útil, carece
de um apoio psicoterapêutica individualizado e atento. Sobre o tipo de
psicoterapia que cada um pode e deve fazer, a resposta fácil é a de que
normalmente não sabem e nem têm à partida nenhum interesse especial em saber. O
que as pessoas querem e desejam é ver-se livres do próprio sofrimento, seja
este de que tipo for e manifeste-se como se manifestar, e escolhem um psicoterapeuta
e não uma psicoterapia segundo o clássico método das referências conseguidas
junto de familiares e amigos, ou entendem-se como podem com os técnicos
disponibilizados pelas instituições a que se dirigem em busca de apaziguamento.
As respostas mais difíceis a ambas as questões, as que trazem ao de cima as
tradicionais resistências e confusões entre psiquiatria, psicologia e
psicoterapia e os dizeres de: "não estou maluco", "só os fracos
é que precisam dessas coisas", "não há melhor psicólogo que um amigo,
um confessor ou um médico de confiança", são as que tentaremos explicitar,
o mais claramente possível ao longo deste livro. De facto, se toda a gente pode
eventualmente beneficiar de uma psicoterapia, é absurdo pensar que existe
alguma que seja panaceia universal e resolva todos os males para sempre. É
desadequado pedir a um psicoterapeuta ou a uma Psicoterapia que preveja o
futuro, remedeie uma situação dramática que aconteceu, traga alguém perdido de
volta, faça passar as dores, as mágoas ou os sintomas incapacitantes ou
desadequados por artes mágicas. Todas as psicoterapias têm como objectivo
último, ainda que não enunciado, o diminuir do sofrimento humano, mas as
teorias metodologias e técnicas que usam para lá chegar são bastante
diferentes. Pelo menos o suficiente para provocar alguma confusão a quem
desconhece os pressupostos de cada uma das abordagens psicoterapêuticas."
Isabel Leal
Livro: Iniciação às Psicoterapias
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