terça-feira, 25 de setembro de 2012

Para Pensar



Através da introdução do livro Iniciação às Psicoterapias, desta vez sugiro pensar na psicoterapia e nas questões inerentes à mesma.


"Como o próprio nome indica, uma psicoterapia é um tratamento realizado por meios psicológicos. Esta definição abrangente não pode, entretanto, dar conta de um extenso leque de interrogações que o público tem a propósito do tema. Mesmo os estudantes e profissionais de ciências humanas, mais familiarizados com a designação, enfrentam algumas perplexidades quando confrontados com a necessidade de indicarem uma psicoterapia ou um psicoterapeuta. De facto, se a ideia de "tratamento psicológico" diz, de si mesma, que está indicada para pessoas que, por quaisquer razões , apresentam queixas de sofrimento, dificilmente se encontra alguém que num ou noutro momento da sua vida, das suas circunstâncias e das suas capacidades de lidar com os seus próprios sentimentos, não as tenha. Quer isto dizer que toda a gente pode ser objecto de uma psicoterapia. Aqui levantam-se duas outras questões. Primeira: Que grau e qualidade de sofrimento ou mal-estar justifica um acompanhamento psicoterapêutica? Segunda: Que tipo de Psicoterapia fazer? Para ambas as questões há uma resposta fácil e uma outra um pouco mais complexa. A resposta fácil sobre a qualidade e quantidade do sofrimento necessário para fazer uma psicoterapia encontra-se na procura, e depois na adesão, que se tem ao tratamento. Enquanto as pessoas acharem que conseguem resolver sozinhas, ou usando outros recursos que têm disponíveis, o que consideram ser os seus problemas, terão dificuldade em aderir a qualquer tipo de tratamento: psicológico, médico ou qualquer outro, como de resto os estudos sobre a adesão a diferentes práticas terapêuticas têm amplamente comprovado. Entre nós, é ainda frequente a ideia de que só as pessoas frágeis ou muito complicadas, já para não falar das que estão loucas, é que procuram os tipos de intervenção técnica facilitadas por psicólogos e psicoterapeutas. Claro que isto não corresponde a nenhuma realidade. Muitas vezes, a procura de apoio psicoterapêutica, ou a oferta desse serviço por parte de instituições, está relacionada com acontecimentos de vida reais ou prováveis, mas ainda assim desencadeantes de um enorme sofrimento, como sejam: a descoberta de uma doença grave ou incapacitante; o luto a partir de uma perda significativa por morte ou separação, e as dificuldades de adaptação a situações emergentes em termos pessoais ou profissionais. Se o sofrimento é inerente à condição humana, as sociedades modernas competitivas e pouco tolerantes a patamares de disfuncionamentos que tenham consequências na esfera do público, dispõem elas próprias de poucos recursos para lidar com indivíduos desmotivados, absentistas ao trabalho, isolados socialmente, hipomaníacos, sistematicamente suspeitosos, maltrantes ou maltratados, hipocondríacos ou somatizando facilmente, descontrolados nas suas reacções emocionais, transgredindo limites de convívio social de forma contínua, etc. Isto para já não falar dos muitos indivíduos em que a sagrada trilogia da "ansiedade-depressão-baixa auto-estima", com o seu lastro de consequências a todos os níveis, delapida o erário público e arrasa, literalmente, os grupos sociais alargados a que pertencem. Há depois, muitos outros, com quadros sintomáticos exuberantes e bem estabelecidos que vão das perturbações alimentares, sexuais, do sono, às mais variadas adições ou fobias. Resta ainda a clássica Psicopatologia, espartilhada em medicações psiquiátricas, mas que mesmo assim, e para poder ser socialmente útil, carece de um apoio psicoterapêutica individualizado e atento. Sobre o tipo de psicoterapia que cada um pode e deve fazer, a resposta fácil é a de que normalmente não sabem e nem têm à partida nenhum interesse especial em saber. O que as pessoas querem e desejam é ver-se livres do próprio sofrimento, seja este de que tipo for e manifeste-se como se manifestar, e escolhem um psicoterapeuta e não uma psicoterapia segundo o clássico método das referências conseguidas junto de familiares e amigos, ou entendem-se como podem com os técnicos disponibilizados pelas instituições a que se dirigem em busca de apaziguamento. As respostas mais difíceis a ambas as questões, as que trazem ao de cima as tradicionais resistências e confusões entre psiquiatria, psicologia e psicoterapia e os dizeres de: "não estou maluco", "só os fracos é que precisam dessas coisas", "não há melhor psicólogo que um amigo, um confessor ou um médico de confiança", são as que tentaremos explicitar, o mais claramente possível ao longo deste livro. De facto, se toda a gente pode eventualmente beneficiar de uma psicoterapia, é absurdo pensar que existe alguma que seja panaceia universal e resolva todos os males para sempre. É desadequado pedir a um psicoterapeuta ou a uma Psicoterapia que preveja o futuro, remedeie uma situação dramática que aconteceu, traga alguém perdido de volta, faça passar as dores, as mágoas ou os sintomas incapacitantes ou desadequados por artes mágicas. Todas as psicoterapias têm como objectivo último, ainda que não enunciado, o diminuir do sofrimento humano, mas as teorias metodologias e técnicas que usam para lá chegar são bastante diferentes. Pelo menos o suficiente para provocar alguma confusão a quem desconhece os pressupostos de cada uma das abordagens psicoterapêuticas."


Isabel Leal
Livro: Iniciação às Psicoterapias

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