Hoje,
na aula de Modelos de Intervenção Psicológica I, lembrei-me do seguinte excerto
do livro Deixa-me Que te Conte de Jorge Bucay. E, porque tem tudo a ver com a
matéria dada, aqui fica.
“…-
Para abreviar, vou ter de me alongar. Vejamos se te consigo explicar. No
universo terapêutico, e que eu saiba, existem mais de duzentas e cinquenta
formas de terapia mais ou menos relacionadas com outras tantas correntes
filosóficas.
"Estas
escolas são todas diferentes entre si: na ideologia, na forma e na perspectiva.
Mas creio que todas apontam para o mesmo fim: melhorar a qualidade de vida do
paciente. Talvez não consigamos chegar a acordo sobre o que significa para cada
terapeuta "melhorar a qualidade de vida". Mas... enfim, continuemos!
"Estas
duzentas e cinquenta escolas poderiam ser agrupadas em três grandes linhas de
pensamento, segundo a ênfase que cada modelo psicoterapêutico coloca na sua
exploração da problemática do paciente: em primeiro lugar, as escolas que se
centram no passado. Em segundo lugar, as escolas que se centram no futuro. E,
por último, as que se debruçam sobre o presente.
"A
primeira linha de pensamento, que está longe de ser a mais concorrida, inclui
todas as escolas que partem, ou funcionam como se partissem, da ideia de que um
neurótico é alguém que uma vez, há muito tempo quando era pequeno, teve um
problema e desde então está a pagar as consequências dessa situação. O trabalho
consiste, portanto, em recuperar todas as recordações da história pretérita do
paciente até encontrar as tais situações que provocaram a neurose. Como estas
recordações se encontram, segundo os analistas, "reprimidas" no
inconsciente, a tarefa é remexer o seu interior à procura de factos que foram
"enterrados".
"O
exemplo mais claro deste modelo é a psicanálise ortodoxa. Para identificar
estas escolas, eu costumo dizer que elas procuram o "porquê".
"Muitos
analistas, a meu ver, crêem que basta encontrar o motivo do sintoma; isto é, se
o paciente descobrir porque faz o que faz, se tomar consciência do
inconsciente, então todo o mecanismo começará a funcionar correctamente.
"A
psicanálise, para falar da mais conhecida destas escolas, tem, como quase todas
as coisas na vida, vantagens e desvantagens.
"A
principal vantagem é que não existe, ou eu não creio que exista, outro modelo
terapêutico que nos dê um conhecimento tão profundo dos próprios processos
internos. Nenhum outro modelo é capaz de chegar ao nível de autoconhecimento
que se pode alcançar com as técnicas freudianas.
"Quanto
às desvantagens,.são, pelo menos, duas. Por um lado, a duração do processo
terapêutico, demasiado longa, que o torna cansativo e dispendioso - e não me
refiro apenas à questão económica. Um analista disse-me, uma vez, que a terapia
devia durar um terço do tempo vivido pelo paciente a partir do momento em que
iniciou a terapia. Por outro lado, o modelo tem uma eficácia terapêutica
duvidosa. Pessoalmente, duvido que se possa alcançar um autoconhecimento
suficiente para modificar o traçado de uma vida, um comportamento doentio ou o
motivo pelo qual o paciente recorreu à consulta.
"Creio
que, no extremo oposto, estão as escolas psicoterapêuticas centradas no futuro.
Estas abordagens, muito em voga actualmente, poderiam ser resumidamente
definidas da seguinte maneira: o verdadeiro problema é que o paciente age de um
modo diferente do desejável para conseguir alcançar os seus objectivos.
Portanto, a tarefa não consiste em descobrir porque é que ele é como é - isso é
encarado como um dado adquirido -, nem em conhecer em profundidade o indivíduo
que sofre. A questão é que ele consiga obter o que deseja, superando os seus
medos, a fim de viver de uma forma mais produtiva e positiva.
"Esta
linha de pensamento, representada principalmente pelo behaviorismo, propõe a
ideia de que só se podem aprender novas condutas executando-as, coisa que o
paciente dificilmente se atreverá a fazer sem a ajuda, o apoio e a orientação
de alguém. Essa ajuda será dada preferencialmente por um profissional, que lhe
indicará quais são as condutas mais adequadas, lhe recomendará de forma
explícita quais devem ser as suas atitudes e acompanhará o paciente neste
processo de recondicionamento saudável.
"A
pergunta básica colocada pelos terapeutas desta corrente não é porquê e sim
como. Isto é, como alcançar o objectivo pretendido?
"Esta
escola também tem vantagens e inconvenientes. A primeira das vantagens é que a
técnica é incrivelmente eficaz e a segunda é a rapidez do processo. Alguns
neobehavioristas americanos falam já de terapias que requeiram apenas entre uma
e cinco consultas. A desvantagem mais óbvia, para mim, é que o tratamento é
superficial: o paciente nunca chega a conhecer-se nem a descobrir os seus
próprios recursos e, portanto, fica confinado a resolver apenas aquela situação
que o levou à consulta e em estreita dependência do seu terapeuta. Isto não é
prejudicial, mas não oferece os recursos suficientes para que o paciente chegue
ao imprescindível contacto consigo mesmo.
"A
terceira linha de pensamento é, do ponto de vista histórico, a mais recente das
três. É constituída por todas as escolas psicoterapêuticas que centram a sua
atenção no presente.
"De
um ponto de vista geral, partimos da ideia de não investigar a origem do
sofrimento nem recomendar condutas para escamotear esse sofrimento. Ou melhor,
a tarefa centra-se em determinar o que se está a passar com a pessoa que
recorre à consulta e em averiguar o porquê dessa situação.
"Sabes
que é esta linha que eu utilizo no meu trabalho e por isso é óbvio que é aquela
que eu considero melhor. Não obstante, reconheço que este método também tem
vantagens e desvantagens.
"Comparativamente,
não são terapias tão longas como a psicanálise, nem tão breves como as do
neobehaviorismo. Uma terapia deste modelo durará entre seis meses e dois anos.
Sem ter a profundidade ortodoxa, gera, na minha opinião, uma boa dose de
autoconhecimento e um bom nível de autocontrolo dos recursos.
"Por
outro lado, embora seja capaz de fertilizar o processo de entrar em contacto
com a realidade actual, também esconde o perigo de promover nos pacientes,
ainda que seja durante pouco tempo, uma filosofia de vida leviana e indiferente
a tudo; uma postura centrada em "viver o momento" que não tem nada a
ver com o "presente" que estas escolas defendem e que, claro está,
admite e requer, com muita frequência, tanto a experiência como os projectos de
vida.
"Há
uma anedota muito antiga que talvez sirva para exemplificar estas três
correntes. A situação da anedota é muito simples e sempre a mesma, mas eu vou
dar-me ao luxo de brincar um bocado com estas três linhas de pensamento e vou
contar três finais diferentes.
Um
homem sofre de encoprose (em bom português: caga-se todo). Vai a uma consulta e
o médico, depois de o examinar e investigar, não encontra nenhum motivo físico
que explique o seu problema. Então, sugere-lhe que vá a uma consulta de
psicoterapia.
O
primeiro final, em que o terapeuta consultado é um psicanalista ortodoxo:
Passados
cinco anos, o homem encontra-se com um amigo.
-
Olá! Que tal vai a terapia?
-
Fantástica! - responde o homem, eufórico.
-
Já não te cagas todo?
-
Olha, cagar ainda cago, mas agora já sei porquê!
Segundo
final, em que o terapeuta consultado é um behaviorista:
Passados
cinco dias, o homem encontra-se com um amigo.
-
Olá! Que tal vai a terapia?
-
Genial! - responde o homem, eufórico.
-
Já não te cagas todo?
-
Olha, cagar ainda cago, mas agora uso cuecas de plástico!
Terceiro
final, em que o terapeuta consultado é gestáltico:
Passados
cinco meses, o homem encontra-se com um amigo.
-
Olá! Que tal vai a terapia?
-
Maravilhosa! - responde o homem, eufórico.
-
Já não te cagas todo?
-
Olha, cagar ainda cago, mas agora estou-me nas tintas!
-
Mas essa maneira de pôr as coisas parece-me demasiado catastrófica - disse eu,
tentando defender a psicoterapia em geral.
-
Talvez, mas, seja como for, esta catástrofe é real. Tão real como o facto de
que chegámos ao fim da consulta.
Acho
que nunca tive tanta vontade de rogar uma praga a alguém como naquele instante!...”
Jorge
Bucay
Livro:
Deixa-me que te conte
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