quinta-feira, 27 de setembro de 2012

As Diversas Correntes da Psicoterapia



Hoje, na aula de Modelos de Intervenção Psicológica I, lembrei-me do seguinte excerto do livro Deixa-me Que te Conte de Jorge Bucay. E, porque tem tudo a ver com a matéria dada, aqui fica.



“…- Para abreviar, vou ter de me alongar. Vejamos se te consigo explicar. No universo terapêutico, e que eu saiba, existem mais de duzentas e cinquenta formas de terapia mais ou menos relacionadas com outras tantas correntes filosóficas.
"Estas escolas são todas diferentes entre si: na ideologia, na forma e na perspectiva. Mas creio que todas apontam para o mesmo fim: melhorar a qualidade de vida do paciente. Talvez não consigamos chegar a acordo sobre o que significa para cada terapeuta "melhorar a qualidade de vida". Mas... enfim, continuemos!
"Estas duzentas e cinquenta escolas poderiam ser agrupadas em três grandes linhas de pensamento, segundo a ênfase que cada modelo psicoterapêutico coloca na sua exploração da problemática do paciente: em primeiro lugar, as escolas que se centram no passado. Em segundo lugar, as escolas que se centram no futuro. E, por último, as que se debruçam sobre o presente.
"A primeira linha de pensamento, que está longe de ser a mais concorrida, inclui todas as escolas que partem, ou funcionam como se partissem, da ideia de que um neurótico é alguém que uma vez, há muito tempo quando era pequeno, teve um problema e desde então está a pagar as consequências dessa situação. O trabalho consiste, portanto, em recuperar todas as recordações da história pretérita do paciente até encontrar as tais situações que provocaram a neurose. Como estas recordações se encontram, segundo os analistas, "reprimidas" no inconsciente, a tarefa é remexer o seu interior à procura de factos que foram "enterrados".
"O exemplo mais claro deste modelo é a psicanálise ortodoxa. Para identificar estas escolas, eu costumo dizer que elas procuram o "porquê".
"Muitos analistas, a meu ver, crêem que basta encontrar o motivo do sintoma; isto é, se o paciente descobrir porque faz o que faz, se tomar consciência do inconsciente, então todo o mecanismo começará a funcionar correctamente.
"A psicanálise, para falar da mais conhecida destas escolas, tem, como quase todas as coisas na vida, vantagens e desvantagens.
"A principal vantagem é que não existe, ou eu não creio que exista, outro modelo terapêutico que nos dê um conhecimento tão profundo dos próprios processos internos. Nenhum outro modelo é capaz de chegar ao nível de autoconhecimento que se pode alcançar com as técnicas freudianas.
"Quanto às desvantagens,.são, pelo menos, duas. Por um lado, a duração do processo terapêutico, demasiado longa, que o torna cansativo e dispendioso - e não me refiro apenas à questão económica. Um analista disse-me, uma vez, que a terapia devia durar um terço do tempo vivido pelo paciente a partir do momento em que iniciou a terapia. Por outro lado, o modelo tem uma eficácia terapêutica duvidosa. Pessoalmente, duvido que se possa alcançar um autoconhecimento suficiente para modificar o traçado de uma vida, um comportamento doentio ou o motivo pelo qual o paciente recorreu à consulta.
"Creio que, no extremo oposto, estão as escolas psicoterapêuticas centradas no futuro. Estas abordagens, muito em voga actualmente, poderiam ser resumidamente definidas da seguinte maneira: o verdadeiro problema é que o paciente age de um modo diferente do desejável para conseguir alcançar os seus objectivos. Portanto, a tarefa não consiste em descobrir porque é que ele é como é - isso é encarado como um dado adquirido -, nem em conhecer em profundidade o indivíduo que sofre. A questão é que ele consiga obter o que deseja, superando os seus medos, a fim de viver de uma forma mais produtiva e positiva.
"Esta linha de pensamento, representada principalmente pelo behaviorismo, propõe a ideia de que só se podem aprender novas condutas executando-as, coisa que o paciente dificilmente se atreverá a fazer sem a ajuda, o apoio e a orientação de alguém. Essa ajuda será dada preferencialmente por um profissional, que lhe indicará quais são as condutas mais adequadas, lhe recomendará de forma explícita quais devem ser as suas atitudes e acompanhará o paciente neste processo de recondicionamento saudável.
"A pergunta básica colocada pelos terapeutas desta corrente não é porquê e sim como. Isto é, como alcançar o objectivo pretendido?
"Esta escola também tem vantagens e inconvenientes. A primeira das vantagens é que a técnica é incrivelmente eficaz e a segunda é a rapidez do processo. Alguns neobehavioristas americanos falam já de terapias que requeiram apenas entre uma e cinco consultas. A desvantagem mais óbvia, para mim, é que o tratamento é superficial: o paciente nunca chega a conhecer-se nem a descobrir os seus próprios recursos e, portanto, fica confinado a resolver apenas aquela situação que o levou à consulta e em estreita dependência do seu terapeuta. Isto não é prejudicial, mas não oferece os recursos suficientes para que o paciente chegue ao imprescindível contacto consigo mesmo.
"A terceira linha de pensamento é, do ponto de vista histórico, a mais recente das três. É constituída por todas as escolas psicoterapêuticas que centram a sua atenção no presente.
"De um ponto de vista geral, partimos da ideia de não investigar a origem do sofrimento nem recomendar condutas para escamotear esse sofrimento. Ou melhor, a tarefa centra-se em determinar o que se está a passar com a pessoa que recorre à consulta e em averiguar o porquê dessa situação.
"Sabes que é esta linha que eu utilizo no meu trabalho e por isso é óbvio que é aquela que eu considero melhor. Não obstante, reconheço que este método também tem vantagens e desvantagens.
"Comparativamente, não são terapias tão longas como a psicanálise, nem tão breves como as do neobehaviorismo. Uma terapia deste modelo durará entre seis meses e dois anos. Sem ter a profundidade ortodoxa, gera, na minha opinião, uma boa dose de autoconhecimento e um bom nível de autocontrolo dos recursos.
"Por outro lado, embora seja capaz de fertilizar o processo de entrar em contacto com a realidade actual, também esconde o perigo de promover nos pacientes, ainda que seja durante pouco tempo, uma filosofia de vida leviana e indiferente a tudo; uma postura centrada em "viver o momento" que não tem nada a ver com o "presente" que estas escolas defendem e que, claro está, admite e requer, com muita frequência, tanto a experiência como os projectos de vida.
"Há uma anedota muito antiga que talvez sirva para exemplificar estas três correntes. A situação da anedota é muito simples e sempre a mesma, mas eu vou dar-me ao luxo de brincar um bocado com estas três linhas de pensamento e vou contar três finais diferentes.
Um homem sofre de encoprose (em bom português: caga-se todo). Vai a uma consulta e o médico, depois de o examinar e investigar, não encontra nenhum motivo físico que explique o seu problema. Então, sugere-lhe que vá a uma consulta de psicoterapia.
O primeiro final, em que o terapeuta consultado é um psicanalista ortodoxo:
Passados cinco anos, o homem encontra-se com um amigo.
- Olá! Que tal vai a terapia?
- Fantástica! - responde o homem, eufórico.
- Já não te cagas todo?
- Olha, cagar ainda cago, mas agora já sei porquê!
Segundo final, em que o terapeuta consultado é um behaviorista:
Passados cinco dias, o homem encontra-se com um amigo.
- Olá! Que tal vai a terapia?
- Genial! - responde o homem, eufórico.
- Já não te cagas todo?
- Olha, cagar ainda cago, mas agora uso cuecas de plástico!
Terceiro final, em que o terapeuta consultado é gestáltico:
Passados cinco meses, o homem encontra-se com um amigo.
- Olá! Que tal vai a terapia?
- Maravilhosa! - responde o homem, eufórico.
- Já não te cagas todo?
- Olha, cagar ainda cago, mas agora estou-me nas tintas!
- Mas essa maneira de pôr as coisas parece-me demasiado catastrófica - disse eu, tentando defender a psicoterapia em geral.
- Talvez, mas, seja como for, esta catástrofe é real. Tão real como o facto de que chegámos ao fim da consulta.
Acho que nunca tive tanta vontade de rogar uma praga a alguém como naquele instante!...”


Jorge Bucay
Livro: Deixa-me que te conte




terça-feira, 25 de setembro de 2012

Para Pensar



Através da introdução do livro Iniciação às Psicoterapias, desta vez sugiro pensar na psicoterapia e nas questões inerentes à mesma.


"Como o próprio nome indica, uma psicoterapia é um tratamento realizado por meios psicológicos. Esta definição abrangente não pode, entretanto, dar conta de um extenso leque de interrogações que o público tem a propósito do tema. Mesmo os estudantes e profissionais de ciências humanas, mais familiarizados com a designação, enfrentam algumas perplexidades quando confrontados com a necessidade de indicarem uma psicoterapia ou um psicoterapeuta. De facto, se a ideia de "tratamento psicológico" diz, de si mesma, que está indicada para pessoas que, por quaisquer razões , apresentam queixas de sofrimento, dificilmente se encontra alguém que num ou noutro momento da sua vida, das suas circunstâncias e das suas capacidades de lidar com os seus próprios sentimentos, não as tenha. Quer isto dizer que toda a gente pode ser objecto de uma psicoterapia. Aqui levantam-se duas outras questões. Primeira: Que grau e qualidade de sofrimento ou mal-estar justifica um acompanhamento psicoterapêutica? Segunda: Que tipo de Psicoterapia fazer? Para ambas as questões há uma resposta fácil e uma outra um pouco mais complexa. A resposta fácil sobre a qualidade e quantidade do sofrimento necessário para fazer uma psicoterapia encontra-se na procura, e depois na adesão, que se tem ao tratamento. Enquanto as pessoas acharem que conseguem resolver sozinhas, ou usando outros recursos que têm disponíveis, o que consideram ser os seus problemas, terão dificuldade em aderir a qualquer tipo de tratamento: psicológico, médico ou qualquer outro, como de resto os estudos sobre a adesão a diferentes práticas terapêuticas têm amplamente comprovado. Entre nós, é ainda frequente a ideia de que só as pessoas frágeis ou muito complicadas, já para não falar das que estão loucas, é que procuram os tipos de intervenção técnica facilitadas por psicólogos e psicoterapeutas. Claro que isto não corresponde a nenhuma realidade. Muitas vezes, a procura de apoio psicoterapêutica, ou a oferta desse serviço por parte de instituições, está relacionada com acontecimentos de vida reais ou prováveis, mas ainda assim desencadeantes de um enorme sofrimento, como sejam: a descoberta de uma doença grave ou incapacitante; o luto a partir de uma perda significativa por morte ou separação, e as dificuldades de adaptação a situações emergentes em termos pessoais ou profissionais. Se o sofrimento é inerente à condição humana, as sociedades modernas competitivas e pouco tolerantes a patamares de disfuncionamentos que tenham consequências na esfera do público, dispõem elas próprias de poucos recursos para lidar com indivíduos desmotivados, absentistas ao trabalho, isolados socialmente, hipomaníacos, sistematicamente suspeitosos, maltrantes ou maltratados, hipocondríacos ou somatizando facilmente, descontrolados nas suas reacções emocionais, transgredindo limites de convívio social de forma contínua, etc. Isto para já não falar dos muitos indivíduos em que a sagrada trilogia da "ansiedade-depressão-baixa auto-estima", com o seu lastro de consequências a todos os níveis, delapida o erário público e arrasa, literalmente, os grupos sociais alargados a que pertencem. Há depois, muitos outros, com quadros sintomáticos exuberantes e bem estabelecidos que vão das perturbações alimentares, sexuais, do sono, às mais variadas adições ou fobias. Resta ainda a clássica Psicopatologia, espartilhada em medicações psiquiátricas, mas que mesmo assim, e para poder ser socialmente útil, carece de um apoio psicoterapêutica individualizado e atento. Sobre o tipo de psicoterapia que cada um pode e deve fazer, a resposta fácil é a de que normalmente não sabem e nem têm à partida nenhum interesse especial em saber. O que as pessoas querem e desejam é ver-se livres do próprio sofrimento, seja este de que tipo for e manifeste-se como se manifestar, e escolhem um psicoterapeuta e não uma psicoterapia segundo o clássico método das referências conseguidas junto de familiares e amigos, ou entendem-se como podem com os técnicos disponibilizados pelas instituições a que se dirigem em busca de apaziguamento. As respostas mais difíceis a ambas as questões, as que trazem ao de cima as tradicionais resistências e confusões entre psiquiatria, psicologia e psicoterapia e os dizeres de: "não estou maluco", "só os fracos é que precisam dessas coisas", "não há melhor psicólogo que um amigo, um confessor ou um médico de confiança", são as que tentaremos explicitar, o mais claramente possível ao longo deste livro. De facto, se toda a gente pode eventualmente beneficiar de uma psicoterapia, é absurdo pensar que existe alguma que seja panaceia universal e resolva todos os males para sempre. É desadequado pedir a um psicoterapeuta ou a uma Psicoterapia que preveja o futuro, remedeie uma situação dramática que aconteceu, traga alguém perdido de volta, faça passar as dores, as mágoas ou os sintomas incapacitantes ou desadequados por artes mágicas. Todas as psicoterapias têm como objectivo último, ainda que não enunciado, o diminuir do sofrimento humano, mas as teorias metodologias e técnicas que usam para lá chegar são bastante diferentes. Pelo menos o suficiente para provocar alguma confusão a quem desconhece os pressupostos de cada uma das abordagens psicoterapêuticas."


Isabel Leal
Livro: Iniciação às Psicoterapias

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Psicologia do Desenvolvimento: Adolescência, Excerto de Um Capítulo de Um Livro

Uma vez que a adolescência é uma fase complicada, claro que não o é para toda a gente, deixo aqui um excerto que é parte integrante do primeiro capítulo do livro Adolescência e Psicopatologia de Daniel Marcelli e Alain Braconnier. Este é um livro muito interessante, que poderá ser muito útil a pais, professores e claro, psicólogos. Como não posso reproduzir o capítulo na sua totalidade neste espaço, deixo apenas algumas linhas. Em caso de interesse em ler o capítulo na íntegra, digo que este se encontra disponível online, sendo muito fácil de encontrar.

“OS MODELOS DE COMPREENSÃO DA ADOLESCÊNCIA

A adolescência é a idade da mudança, como indica a etimologia da palavra: adolescere signifi ca “crescer” em latim. Entre a infância e

a idade adulta, a adolescência é uma passagem. Como assinala Évelyne Kestemberg, costumase dizer erroneamente que o adolescente é ao mesmo tempo uma criança e um adulto; na realidade, ele não é mais uma criança e ainda não é um adulto. Esse duplo movimento, negação de sua infância, de um lado, busca de um status mais estável, de outro, constitui a própria essência da “crise”, do “processo psíquico” que todo adolescente atravessa.

Compreender esse período transitório, descrever as linhas de força em torno das quais essa transformação psíquica e corporal, pouco a pouco, se ordenará constitui uma tarefa árdua e perigosa. Em face das incessantes mudanças, das múltiplas rupturas, dos inúmeros paradoxos que movem todo o adolescente

(…)

Pode-se considerar que essas teorizações articulam-se em torno de quatro modelos principais: 1) o modelo fisiológico, com a crise pubertária, as alterações somáticas subseqüentes, a emergência da maturidade genital e as tensões que resultam disso;

2) o modelo sociológico e ambiental, que põe em relevo o papel essencial desempenhado pelo ambiente na evolução do adolescente: o lugar que cada cultura reserva à adolescência, os espaços que cada subgrupo social concede ao adolescente e, finalmente, as relações entre o adolescente e seus pais são elementos determinantes;

3) o modelo psicanalítico, que dá conta dos remanejamentos identifi catórios, das mudanças nas ligações com os objetos edipianos e da integração na personalidade da pulsão genital; 4) os modelos cognitivo e educativo, que abordam as modifi cações profundas da função cognitiva, o desenvolvimento notável da capacidade intelectual, quando não há entraves, com as aprendizagens sociais múltiplas que ela possibilita.

Essa ordem de apresentação não implica a primazia de um modelo sobre os demais, porém, do nosso ponto de vista, ainda que estritamente individual e intrapsíquico, o modelo psicanalítico é condicionado, em parte, pelos modelos fisiológico e sociológico, ao mesmo tempo em que revela com toda veemência que esses dois modelos estão muito longe de ser suficientes para dar conta do conjunto de fatos observados na adolescência”

Daniel Marcelli e Alain Braconnier

Livro: Adolescência e Psicopatologia

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Para Pensar


“…Longe de mim branquear os perigos da raiva surda que muitos acarretam à flor da pele, apenas esperando pretexto para se tornar cega. Mas considero-a parente próxima da depressão que os jornais afirmam em vertiginosa subida no «Top Ten» das doenças modernas. Por também profundamente triste, em muitos casos ela brota da sensação de que a vida escapa ao nosso controlo e ainda por cima a culpa de tal frustração morre solteira, a quem ou o quê apontar o dedo? Trata-se de uma fúria que esbraceja contra desconhecidos, um choro virado ao contrário, uma nostalgia de abraço transformada no desejo de esmurrar, um receio da solidão mascarado de asco aos outros. Vivemos depressa e mal; empilhados mas sozinhos; tudo consumindo e no entanto horrorosamente vazios. Tristeza e raiva são faces da mesma moeda, quando a segunda mergulha em nós e não na cara de alguém transforma-se na primeira.”

Júlio Machado Vaz
Livro: O Amor É