quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Prevalência e tratamento da Ansiedade social com comorbilidade com Depressão



Antes de mais, entende-se por comorbilidade a coexistência de caraterísticas ou sintomas, sendo os mesmos específicos de duas ou mais patologias, tendo em linha de conta os critérios definidos (Marques-Teixeira, 2001; Pires, 2003; Mercante, 2007). Um exemplo de comorbilidade entre duas patologias é a depressão e a ansiedade. E é sobre essas duas patologias que abordarei nas próximas linhas.

O transtorno de ansiedade social é a perturbação de ansiedade mais comum e, simultaneamente, o transtorno psiquiátrico mais frequente, sendo associado a disfunções psicossociais (Kessler et al, 2005; Maia e Rohde, 2007; Filho et al, 2010; Chagas et al, 2010; Crippa et al., 2011). A depressão é considerada um fenómeno crescente, sendo uma das patologias mais estudadas devido ao seu elevado grau de prevalência, sendo esta a manifestação mais comum no âmbito dos distúrbios afetivos e do humor, deambulando entre uma condição mais discreta até uma  depressão mais grave (Pedrazza, 2007; Powell et al., 2008; Freitas & Rech, 2010; Cardoso, 2010). Sabe-se que pacientes com transtorno de ansiedade social precoce apresentam, frequentemente, sintomas depressivos, isto porque a comorbilidade do transtorno de ansiedade social e depressão é significativa (Clark et al., 1995; Marques-Teixeira, 2001; Chagas et al., 2010).
Os números revelados pelas estatísticas à cerca da prevalência de cada uma destas perturbações, quer separadamente quer concomitantemente, refletem contradições significativas nos valores que espelham a prevalência e tal deve-se, sobretudo, aos critérios escolhidos por cada investigador (Pires, 2003).
Assim sendo, no que diz respeito à ansiedade social, Kessler et al (1994) referem que mais de 13% da população geral é afetada por ansiedade social em determinada altura da sua vida e, consideram ainda que esta é a desordem psicológica em que se regista maior prevalência, sendo apenas ultrapassada pela depressão ou pela dependência de álcool (Kessler et al, 1994; Pires, 2003). Números que são corroborados por Gilian (1999) uma vez que este situa a prevalência da ansiedade social num intervalo entre os 3% e os 13% (Gilian, 1999; Pires, 2003). O DSM-IV refere que a ansiedade social regista uma prevalência de 2%, na população geral (Pires, 2003). Mais recentemente, Somers, (2006) defende que estudos atuais estimam que o transtorno de ansiedade social tem uma prevalência, na população em geral de 16% (Somers et al., 2006; Chagas et al., 2010).
No que se refere à depressão, dados estatísticos revelam que esta é uma das perturbações mais frequentes, sendo a sua prevalência, segundo o DSM-IV, estimada entre os 5% e os 9% no sexo feminino e 2% e 3% no sexo masculino (DSM-IVTR, 2002; Pires, 2003). Estudos recentes em diversos países revelam que os jovens são considerados, cada vez mais, um grupo de risco o que contrasta com dados de alguns anos atrás em que o grupo de risco estava situado na facha etária dos trinta anos (Seligman & al, 2001; Pires, 2003). A Associação Americana de Psiquiatria, (2004) calcula que aproximadamente 5% da população geral sofre de depressão, sendo que em pacientes com outras patologias comórbidas com a depressão, como o cancro, por exemplo, o número tem tendência para aumentar drasticamente, chegando aos 47% (Fleck & Horwath, 2005; Kessler et al., 2003; Cardoso, 2010). Em 2001, a Organização Mundial da Saúde apontava que cerca de 121 milhões de pessoas sofriam de depressão (OMS, 2001; Freitas & Rech, 2010). Contudo, estes números tem tendência a crescer drasticamente, uma vez que dados mais recentes, referidos por Freitas & Rech (2010) estimam que mais de 400 milhões de pessoas sofrem desta patologia (Freitas & Rech, 2010). E as previsões para um futuro próximo não são animadoras, isto tendo em conta previsões da organização mundial da saúde, que calcula que em 2021 a depressão representará a segunda causa incapacitante para o trabalho, ficando atrás das doenças cardíacas (OMS, 2001; Freitas & Rech, 2010). 
Como já referido a montante, a coocorrência de ambas as patologias é significativa, isto porque 30% de pessoas com depressão encaixam-se nos critérios definidos para o transtorno de ansiedade social, assim como 35% dos pacientes com o transtorno de ansiedade social cumprem os critérios estabelecidos para a depressão (Kessler et al, 1994; Chagas et al, 2010). Sabe-se, também, que a comorbilidade entre a depressão e outros transtornos da ansiedade é ultrapassada pela ansiedade social, visto que a prevalência de depressão e ansiedade social atinge os 60% (Stein et al., 1999; Chagas et al., 2010; Crippa et al., 2011).
Desta forma não será de espantar que a comorbilidade entre Transtorno de Ansiedade social e depressão apresente um panorama de diagnóstico agravado, uma vez que a depressão faz com que o transtorno de ansiedade social se agrave , piorando o seu prognóstico (Marques-Teixeira, 2001; Ruscio et al., 2008; Chagas et al., 2010; Crippa et al., 2011). Verifica-se que tal é inerente ao surgimento precoce dos sintomas (Erwin et al., 2002; Chagas et al., 2010; Crippa et al., 2011). Por outro lado, a presença do transtorno de ansiedade social num quadro depressivo faz com que este seja mais grave, “crónico”, “persistente” e “recorrente” fazendo com que o risco de suicídio seja maior (Marques-Teixeira, 2001; Stein et al., 2001; Chagas et al., 2010; Crippa et al., 2011).
Perante um caso desta natureza, é indicado que se trate os sintomas primários, isto é, os sintomas da ansiedade social, uma vez que, por norma, estes surgem entre os dez e os treze anos, sendo que o seu pico de ocorrência poderá acontecer por volta dos quinze anos e prevalecerá ao longo da adultês imergente (Otto et al., 2001; Barlow & Durand, 2002; Pires, 2003; Nelson et al., 2008; Filho et al., 2010; Chagas et al., 2010; Crippa et al., 2011). Porém, nem sempre os sintomas  de ansiedade social são diagnosticados prematuramente por alguns clínicos, o que faz com que esta não seja tratada inicialmente de forma a ser um tratamento preventivo e só seja diagnosticada mais tarde, no caso de, por exemplo, existir comorbilidade com a depressão (Lecrubier, 1997; Beesdo et al., 2009; Chagas et al., 2010; Crippa et al., 2011). Isto é, no caso de a ansiedade social não ter sido detetada previamente e só ser diagnosticada posteriormente devido ao diagnóstico de depressão e durante o tratamento desta haver a perceção de que existe, também, a presença de sintomas de ansiedade social. Neste caso, o tratamento, tanto a curto prazo como a longo prazo, pode revelar-se ineficaz (Stephanie Sampson, 2000). É por isso que surge a sugestão, por parte de alguns clínicos, de que o transtorno de ansiedade social seja detetado precocemente a fim de conseguir intervir com vista a evitar que surja, mais tarde, outras patologias comórbidas (Stephanie Sampson, 2000).
No âmbito do tratamento o recurso às terapias cognitivo-comportamentais revelam-se uma possibilidade de tratamento eficaz, realizado de forma individual ou como complemento às terapias farmacológicas, tendo em linha de conta dados observados em diversas meta-análises, cujo conteúdo eram estudos desenvolvidos no âmbito das terapias cognitivo-comportamentais, tanto no contexto de ansiedade social como de depressão (Fedoroff & Taylor, 2001; Ito et al., 2008; Powell et al., 2008; Mululo et al., 2009; Cardoso, 2010; Levitan et al., 2011).




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