domingo, 23 de junho de 2013

Óscar Gonçalves



No âmbito da disciplina de Psicologia da Educação, lecionada no terceiro ano da licenciatura de psicologia, foi me solicitado desenvolver um trabalho sobre Óscar Gonçalves. Trabalho esse que decidi partilhar aqui no blog.

Óscar Gonçalves nasceu em 1958 na cidade do Porto. Vinte e três anos mais tarde, em 1981, licenciou-se em psicologia na universidade do Porto, partindo, posteriormente, para os Estados Unidos a fim de concluir o seu doutoramento em psicoterapias e consulta psicológica na universidade de Massachusetts. E, mais recentemente, em 2003, estudou neurociências na Universidade de Vigo (Gonçalves, 1990; …, …; Henriques, 2011). Iniciou a sua atividade laboral como monitor de psicofisiologia, sendo que a sua primeira investigação incidiu na temática do sono, em 1979 (Henriques, 2011).
Óscar Gonçalves iniciou a sua carreira como docente do ensino superior na faculdade de psicologia e ciências da educação da Universidade do Porto, onde permaneceu até 1989. Simultaneamente, foi professor convidado nas Universidades de Massachusetts e da Califórnia em Santa Bárbara. Após deixar a Faculdade de psicologia e ciências da educação do Porto, Óscar Gonçalves ingressou na Universidade do Minho, onde foi um dos fundadores do curso de psicologia e onde permanece como docente. É diretor de curso de psicologia e é presentemente, diretor do laboratório de neuropsicofisiologia da mesma universidade (Gonçalves, 1990; …, …; Henriques, 2011).
Nas décadas de oitenta e noventa, em conjunto com o professor Luís Joyce Moniz, Óscar Gonçalves contribuiu para a divulgação do cognitivismo, do comportamentalismo, do desenvolvimentismo bem como do construtivismo (Henriques, 2011). E segundo espelha o seu currículo, a solo ou em conjunto com outros investigadores tem diversos artigos publicados em revistas científicas nacionais e internacionais, bem como é autor e coautor de diversas obras sobretudo no âmbito da teoria, prática e investigação em psicoterapia. Sendo que atualmente a interação entre marcadores neurocognitivos e estrutura cerebral e o seu funcionamento em perturbações desenvolvimentais, doenças neurodegenerativas e processos psicopatológicos são o epicentro da sua investigação (Gonçalves, 1990; Henriques, 2011). Em entrevista concedida à Sociedade Portuguesa de Psicoterapias Construtivistas (2011), Óscar Gonçalves considerou-se psicólogo, clínico e psicoterapeuta (Henriques, 2011).
A terapia comportamental é um dos ramos de ação de Óscar Gonçalves concomitantemente com as neurociências e as psicoterapias narrativas. Num olhar sobre as suas teorias no âmbito das terapias comportamentais, percebe-se que para Óscar Gonçalves, o modelo terapêutico comportamental revolucionou a avaliação clínica, no que às metodologias e processos diz respeito (Gonçalves, 1990). Visto que a avaliação e conceptualização comportamental baseia-se num processo através do qual os dados inerentes não só à realidade mas também ao funcionamento do cliente traduzem-se em acontecimentos “objetivos”, “observáveis” e “operacionalizados”, com vista a clarificar as relações funcionais entre acontecimentos do meio e as consequentes respostas do cliente (Gonçalves, 1990). Deste modo, existem quatro parâmetros fundamentais na caraterização da avaliação e conceptualização comportamental. O primeiro refere-se à centração nos comportamentos observáveis, negando a utilização de rótulos diagnósticos, tais como: a “hiperatividade”, a “preguiça” ou a “ansiedade” uma vez que um dos objetivos da avaliação comportamental é identificar os fatores concretos inerentes à mudança. Ainda no seguimento deste primeiro parâmetro, Óscar Gonçalves Releva que é importante para o terapeuta comportamental saber o quê, O como e o quando, isto é, o “o que é que o cliente faz”, “como o faz” e quando o faz”. Como tal é necessário estabelecer, em primeiro lugar, qual o comportamento a ser observado, para posteriormente definir o mesmo objetivamente e operacionalmente, seguindo-se a análise topográfica, tendo em conta a ”forma”, “frequência”, “duração” e “intensidade”. O segundo refere-se aos comportamentos observados como amostra, significa que o comportamento analisado não é visto como algo intrínseco, mas sim como uma amostra do funcionamento do cliente. O terceiro diz respeito à análise das relações funcionais, cuja finalidade é analisar os estímulos primários e os secundários de forma a reunir informação acerca das relações funcionais intrínsecas tanto ao meio como ao comportamento. E, finalmente, o quarto parâmetro corresponde à ligação entre avaliação e o tratamento, isto é, após destacar a definição operacional, bem como clarificar as relações funcionais,  é possível ao terapeuta determinar a estratégia de tratamento adequada e, simultaneamente, monitorizar os efeitos da mesma (Gonçalves, 1990). Posto isto, segue-se a operacionalização dos processos a utilizar. Que Segundo Explica Óscar Gonçalves, são necessárias duas fases. A primeira diz respeito às estratégias utilizadas para a descrição comportamental, isto é a análise E. O. R. C. Sendo que o É. Corresponde à avaliação de estímulo, isto é, a identificação dos estímulos recebidos que originam os comportamentos; o O. é avaliação do organismo, ou seja, integra a avaliação genética, fisiológica e o historial de aprendizagens; o R. à avaliação da resposta, que inclui as respostas motoras, cognitivas e fisiológicas; e o C. corresponde à avaliação da consequência, isto é, a avaliação das consequências que resultam dos estímulos e das respostas aos mesmos. Quanto a segunda fase,, esta diz respeito às técnicas de formulação comportamental, que implica traçar um mapa concetual, tendo em conta uma microanálise e uma macroanálise. A microanálise corresponde ao estudo dos múltiplos acontecimentos, isto é, estímulos, respostas e consequências responsáveis por determinado problema. Quanto à macroanálise, esta diz respeito à análise do histórico dos acontecimentos que despoletaram determinado comportamento (Gonçalves, 1990). Quanto à entrevista de avaliação comportamental, Óscar Gonçalves considera que a mesma deverá ser estruturada, seguindo uma linha de orientação definida mas permitindo uma ligeira flexibilidade, sendo que a análise do funcionamento global e a análise detalhada das disfunções do cliente tem de ocupar o epicentro da atenção do terapeuta. Os objetivos da entrevista de avaliação comportamental apresentam-se estruturados em seis tópicos cruciais: “(1) a iniciação de uma relação de ajuda, estruturação do processo e análise das espectativas do cliente; (2) avaliação do funcionamento global do cliente e dos sistemas nos quais ele se encontra inserido; (3) a definição e análise detalhada das várias áreas problemáticas; (4) o estabelecimento de um diagnóstico psicopatológico; (5) a formulação de uma concetualização comportamental dos problemas do cliente; (6) a finalização, através da integração dos dados e da sua devolução ao cliente” (Gonçalves, 1990).
Óscar Gonçalves defende que as técnicas terapêuticas inerentes às estratégias terapêuticas de exposição gradual e mediatizada são constituídas, habitualmente, por três componentes. A primeira diz respeito ao treino de relaxamento progressivo, com vista a trabalhar com o cliente, gradualmente, as técnicas de relaxamento até que o mesmo seja capaz de relaxar ao ouvir a ordem do terapeuta «relaxe». A segunda refere-se à construção das hierarquias de cenas que causam ansiedade. Esta etapa surge em simultâneo com a anterior e tem como objetivo construir uma espécie de escala onde se encontram os elementos causadores da ansiedade, ordenados de forma decrescente. E, finalmente, a terceira que refere-se a apresentação imaginada da hierarquia, sendo esta emparelhada com a resposta de relaxamento. Quer isto dizer que, nesta fase, o cliente é exposto a cada um dos estímulos que constituem a hierarquia anteriormente traçada, transitando para o nível seguinte apenas quando seja ultrapassada a ansiedade manifestada nos níveis anteriores (Gonçalves, 1990). Resta acrescentar que estas estratégias podem ser aplicadas de duas formas, ao vivo e em grupo. Ao vivo significa que o terapeuta acompanha o cliente na exposição a estímulos reais, sendo que a mesma é feita de forma gradual. Enquanto que em grupo são tratados, simultaneamente, vários clientes que cujos problemas são comuns, sendo traçada uma hierarquia comum e em que todos avançam ao ritmo do cliente mais lento (Gonçalves, 1990).
É necessário salientar que no âmbito da terapia comportamental, para que o cliente tenha sucesso no processo de mudança, a aprendizagem assume um papel fulcral. Desde o início do século XX, os estudos da aprendizagem e do comportamento caminham de mãos dadas e, ao longo do tempo verifica-se uma evolução. Com o paradigma do condicionamento clássico, acreditava-se que a aprendizagem se processava através da manipulação de estímulos de forma a desencadear uma resposta previamente existente no indivíduo. Mais tarde, com o paradigma do condicionamento operante, percebe-se que a aprendizagem é um tanto ou quanto flexível, sendo possível adicionar novas aprendizagens e eliminar aprendizagens anteriores e assim alterar o comportamento. Já o paradigma da aprendizagem social transparece outra realidade, a de que a aprendizagem surge através da observação e consequente imitação de comportamentos, recorrendo aos processos cognitivos (Gonçalves, 1990).
Quanto à psicoterapia narrativa, Óscar Gonçalves explica que esta surge da relação entre cliente e terapeuta e da consequente conversação entre ambos que tem subjacente a construção de diversos significados, visto que cruzam-se linguagens e realidades. Assim, no âmbito da psicoterapia narrativa, o terapeuta depara-se com o desafio de ser capaz de construir com o cliente um sentido de coerência e continuidade narrativa, tendo em conta a sua experiência intrínseca e extrínseca à conversa entre ambos (Fernandes e Gonçalves, 2001). Estas narrativas são cotadas pelo terapeuta tendo em conta a sua estrutura bem como o seu conteúdo. Quanto à estrutura, o terapeuta deverá ter em conta, em primeiro lugar, se existe ou não narrativa. Posteriormente, deverá avaliar a coerência narrativa, baseando-se num sistema de codificação constituído por quatro critérios: a orientação, a sequência estrutural, comprometimento avaliativo e integração. Cada um destes parâmetros deverá ser codificado tendo em conta o grau de presença na narrativa em análise, utilizando para o efeito uma escala de Likert de cinco pontos. Na cotação da estrutura não é necessário ter em conta a forma do discurso, mas sim a sua organização (Gonçalves, Henriques & Cardoso,, 2001). No que diz respeito ao conteúdo, o terapeuta deverá ter em atenção os seguintes quatro parâmetros, que são considerados como sendo os organizadores centrais dos conteúdos narrativos: as personagens, os cenários, os acontecimentos e as temáticas. Sendo que uma narrativa que englobe diversas temáticas, onde surjam diversas personagens, múltiplos acontecimentos e uma variedade de cenários reflete não só uma expressão regressiva, mas também uma organização proactiva de uma existência flexível e diversificada. Por outro lado, se na narrativa está patente apenas um tema, uma personagem, pouca diversidade de acontecimentos e um único cenário, espelha uma expressão patológica (Gonçalves et Al., 2002).
No âmbito da avaliação das narrativas, em 2004 Óscar Gonçalves, em conjunto com outros investigadores, elaboraram um estudo com vista a investigar o perfil narrativo em indivíduos com síndrome de Williams, visto que o estudo deste síndrome configura-se como uma temática de interesse na investigação de Óscar Gonçalves. E, com tal estudo, concluíram que as narrativas dos sujeitos com este síndrome revelam que existem profundos deficits em termos de produção narrativa, havendo, contudo, a preservação de alguns marcadores sociais (Gonçalves Et Al., 2004).
Direcionando o foco para as neurociências, percebe-se que Óscar Gonçalves considera que estas são um complemento para a psicologia e psicoterapia, pois segundo o seu ponto de vista, “a psicoterapia ganha imenso com a aproximação às neurociências” (Henriques, 2011). Então, para começar, Óscar Gonçalves estabelece uma comparação entre a psicoterapia e a fisioterapia para explicar que é necessário ter a capacidade de perceber o que está mal para recuperar funcionalmente o cliente de uma forma o mais específica possível. Para tal, é necessário ter um maior conhecimento acerca da patofisiologia e as implicações inerentes à recuperação funcional psicológica (Henriques, 2011). Posto isto, Óscar Gonçalves explica que as neurociências assumem um papel preponderante na medida em que o avanço das mesmas pretende mostrar de que forma a funcionalidade psicológica altera a matéria biológica. Para tal é importante utilizar o psicológico, o comportamento, a cognição e os seus diversos processos cognitivos com a finalidade de produzir plasticidade nos sistemas neurobiológicos. Assim, verifica-se a formação de uma espécie de aliança, capaz de unir as neurociências ao modelo psicológico e ao modelo social com o objetivo de mostrar a eficácia que os mesmos provocam na mudança dos processos neurobiológicos através do psicológico (Henriques, 2011).
Segundo espelham as anteriores linhas, Óscar Gonçalves destaca-se em diversas áreas, da terapia comportamental, passando pela psicoterapia narrativa e pelas neurociências, acumulando as colaborações com laboratórios bem como universidades internacionais e, ainda, a função de docente. Contudo, Óscar Gonçalves autointitula-se psicólogo, clínico e psicoterapeuta.
Referências Bibliográficas
Fernandes, E. Gonçalves, O. (2001). Encontro das narrativas terapêuticas. Revista nacional de psicologia clínica e da saúde. Vol1 1º pp. 53-72.
Gonçalves, O. Henriques, M. Cardoso, G. (2001). Manual de avaliação da estrutura e coerência narrativa. Departamento de psicologia, Universidade do Minho.
Gonçalves, O. Henriques, M. Soares, L. Monteiro, A. (2002). Manual de avaliação do conteúdo e multiplicidade de narrativa. Departamento de psicologia, Universidade do Minho.
Gonçalves, O. Perez, A. Henriques, M. Prieto, M. Lima, M. Siebert, M. Sousa, N. (2004). Funcionamento Cognitivo e Produção Narrativa no Síndrome de Williams: Congruências ou Dissociação Neurocognitiva? International Journal of Clinical and Health Psychology ISSN 1697-2600. Vol. 4, Nº 3, pp.623-638.
Henriques, A. (2011). Entrevista concedida à Sociedade Portuguesa de Psicoterapias Construtivistas. Retirada de: