Antes
de mais, entende-se por comorbilidade a coexistência de caraterísticas ou
sintomas, sendo os mesmos específicos de duas ou mais patologias, tendo em
linha de conta os critérios definidos (Marques-Teixeira, 2001; Pires, 2003; Mercante,
2007). Um exemplo de comorbilidade entre duas patologias é a depressão e a
ansiedade. E é sobre essas duas patologias que abordarei nas próximas linhas.
O
transtorno de ansiedade social é a perturbação de ansiedade mais comum e,
simultaneamente, o transtorno psiquiátrico mais frequente, sendo associado a
disfunções psicossociais (Kessler et al, 2005; Maia e Rohde, 2007; Filho
et al, 2010; Chagas et al, 2010; Crippa et al., 2011). A depressão é
considerada um fenómeno crescente, sendo uma das patologias mais estudadas
devido ao seu elevado grau de prevalência, sendo esta a manifestação mais comum
no âmbito dos distúrbios afetivos e do humor, deambulando entre uma condição
mais discreta até uma depressão mais
grave (Pedrazza, 2007; Powell et al., 2008; Freitas &
Rech, 2010; Cardoso, 2010). Sabe-se que pacientes com transtorno de
ansiedade social precoce apresentam, frequentemente, sintomas depressivos, isto
porque a comorbilidade do transtorno de ansiedade social e depressão é
significativa (Clark et al., 1995; Marques-Teixeira,
2001; Chagas et al., 2010).
Os
números revelados pelas estatísticas à cerca da prevalência de cada uma destas
perturbações, quer separadamente quer concomitantemente, refletem contradições
significativas nos valores que espelham a prevalência e tal deve-se, sobretudo,
aos critérios escolhidos por cada investigador (Pires, 2003).
Assim
sendo, no que diz respeito à ansiedade social, Kessler et al (1994) referem que
mais de 13% da população geral é afetada por ansiedade social em determinada
altura da sua vida e, consideram ainda que esta é a desordem psicológica em que
se regista maior prevalência, sendo apenas ultrapassada pela depressão ou pela
dependência de álcool (Kessler et al, 1994; Pires, 2003). Números que são
corroborados por Gilian (1999) uma vez que este situa
a prevalência da ansiedade social num intervalo entre os 3% e os 13% (Gilian,
1999; Pires, 2003). O DSM-IV refere que a ansiedade social regista uma
prevalência de 2%, na população geral (Pires, 2003). Mais recentemente, Somers,
(2006) defende que estudos atuais estimam que o transtorno de ansiedade social
tem uma prevalência, na população em geral de 16% (Somers et al.,
2006; Chagas et al., 2010).
No
que se refere à depressão, dados estatísticos revelam que esta é uma das
perturbações mais frequentes, sendo a sua prevalência, segundo o DSM-IV,
estimada entre os 5% e os 9% no sexo feminino e 2% e 3% no sexo masculino
(DSM-IVTR, 2002; Pires, 2003). Estudos recentes em diversos países revelam que
os jovens são considerados, cada vez mais, um grupo de risco o que contrasta
com dados de alguns anos atrás em que o grupo de risco estava situado na facha
etária dos trinta anos (Seligman & al, 2001; Pires, 2003). A Associação
Americana de Psiquiatria, (2004) calcula que aproximadamente 5% da população
geral sofre de depressão, sendo que em pacientes com outras patologias comórbidas
com a depressão, como o cancro, por exemplo, o número tem tendência para
aumentar drasticamente, chegando aos 47% (Fleck & Horwath, 2005; Kessler et
al., 2003; Cardoso, 2010). Em 2001, a Organização Mundial da Saúde apontava que
cerca de 121 milhões de pessoas sofriam de depressão (OMS, 2001; Freitas &
Rech, 2010). Contudo, estes números tem tendência a crescer drasticamente, uma
vez que dados mais recentes, referidos por Freitas & Rech (2010) estimam
que mais de 400 milhões de pessoas sofrem desta patologia (Freitas & Rech,
2010). E as previsões para um futuro próximo não são animadoras, isto tendo em
conta previsões da organização mundial da saúde, que calcula que em 2021 a
depressão representará a segunda causa incapacitante para o trabalho, ficando
atrás das doenças cardíacas (OMS, 2001; Freitas & Rech, 2010).
Como
já referido a montante, a coocorrência de ambas as patologias é significativa, isto
porque 30% de pessoas com depressão encaixam-se nos critérios definidos para o
transtorno de ansiedade social, assim como 35% dos pacientes com o transtorno
de ansiedade social cumprem os critérios estabelecidos para a depressão
(Kessler et al, 1994; Chagas et al, 2010). Sabe-se, também, que a comorbilidade
entre a depressão e outros transtornos da ansiedade é ultrapassada pela
ansiedade social, visto que a prevalência de depressão e ansiedade social
atinge os 60% (Stein et al., 1999; Chagas et al., 2010; Crippa et al., 2011).
Desta
forma não será de espantar que a comorbilidade entre Transtorno de Ansiedade social
e depressão apresente um panorama de diagnóstico agravado, uma vez que a
depressão faz com que o transtorno de ansiedade social se agrave , piorando o
seu prognóstico (Marques-Teixeira, 2001; Ruscio et al., 2008; Chagas et al.,
2010; Crippa et al., 2011). Verifica-se que tal é inerente ao
surgimento precoce dos sintomas (Erwin et al., 2002; Chagas et al., 2010;
Crippa et al., 2011). Por outro lado, a presença do transtorno de ansiedade
social num quadro depressivo faz com que este seja mais grave, “crónico”,
“persistente” e “recorrente” fazendo com que o risco de suicídio seja maior (Marques-Teixeira,
2001; Stein et al., 2001; Chagas et al., 2010; Crippa et al., 2011).
Perante
um caso desta natureza, é indicado que se trate os sintomas primários, isto é,
os sintomas da ansiedade social, uma vez que, por norma, estes surgem entre os
dez e os treze anos, sendo que o seu pico de ocorrência poderá acontecer por
volta dos quinze anos e prevalecerá ao longo da adultês imergente (Otto et al.,
2001; Barlow & Durand, 2002; Pires, 2003; Nelson et al., 2008; Filho et al.,
2010; Chagas et al., 2010; Crippa et al., 2011). Porém, nem
sempre os sintomas de ansiedade social
são diagnosticados prematuramente por alguns clínicos, o que faz com que esta
não seja tratada inicialmente de forma a ser um tratamento preventivo e só seja
diagnosticada mais tarde, no caso de, por exemplo, existir comorbilidade com a
depressão (Lecrubier, 1997; Beesdo et al., 2009; Chagas et al., 2010; Crippa et
al., 2011). Isto é, no caso de a ansiedade social não ter sido detetada
previamente e só ser diagnosticada posteriormente devido ao diagnóstico de
depressão e durante o tratamento desta haver a perceção de que existe, também,
a presença de sintomas de ansiedade social. Neste caso, o tratamento, tanto a
curto prazo como a longo prazo, pode revelar-se ineficaz (Stephanie Sampson,
2000). É por isso que surge a sugestão, por parte de alguns clínicos, de que o
transtorno de ansiedade social seja detetado precocemente a fim de conseguir intervir
com vista a evitar que surja, mais tarde, outras patologias comórbidas (Stephanie
Sampson, 2000).
No
âmbito do tratamento o recurso às terapias cognitivo-comportamentais revelam-se
uma possibilidade de tratamento eficaz, realizado de forma individual ou como
complemento às terapias farmacológicas, tendo em linha de conta dados
observados em diversas meta-análises, cujo conteúdo eram estudos desenvolvidos
no âmbito das terapias cognitivo-comportamentais, tanto no contexto de
ansiedade social como de depressão (Fedoroff & Taylor, 2001; Ito et al.,
2008; Powell et al., 2008; Mululo et al., 2009; Cardoso, 2010;
Levitan
et al., 2011).
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